Miguel Rodrigues – A História do Pro Evolution Soccer: Vol. I – A Idade de Ouro | International Superstar Soccer 2000

XI

  International Superstar Soccer 2000

Tendo a versão dedicada à PlayStation da série International Superstar Soccer rapidamente alcançado um sucesso inimaginável, a KCEO via-se agora obrigada a competir com a rival interna KCET – e, evidentemente, como habitual, com a Electronic Arts, já para não falar dos demais concorrentes que iam brotando[1] – pelo domínio das quatro linhas virtuais. Mas se por esta altura não podia ser mais óbvio que a subsidiária de Osaka assistira ao nascimento de uma potente e íntima concorrente, mal sabia que estava em jogo, mais do que esse domínio, a própria sobrevivência da série que até então se dedicara à Nintendo. É provável que a mesma produtora tenha previsto que esta incomum divisão em dois do universo futebolístico digital da Konami não duraria para sempre; a certa altura, certamente haveria que unir esforços no sentido de se produzir um só título – afinal, não fazia qualquer sentido desenvolver em simultâneo duas exímias plataformas, podendo-se perfeitamente unir o melhor das duas numa só. A KCEO tinha então de mostrar a todos, até à própria Konami, que, apesar do recente e enorme sucesso que granjeara a nova série da KCET, o futuro, tal como o passado recente, a continuava a ser seu por direito; que tinha todas as condições para aperfeiçoar mais ainda, e ambiciosamente como sempre, a sua franquia; e que estava mesmo aí para as curvas, pronta a receber de braços abertos esse mesmo futuro. Por outras palavras, a sua missão era a de conservar, a todo o custo, a sua posição dominante. Mas os tempos estavam a mudar. O título que segue seria o último da série para a Nintendo 64: marca, pois, também o término do histórico reinado de um jogo de futebol que, tendo originalmente sido um concorrente interessante nas quatro linhas de consola, evoluiu até se tornar num fenómeno de dimensões globais. Todo e qualquer “fim de uma era” é temível: nunca se sabe o que trará o período seguinte – corre-se sempre o risco de, ao virar a página, a coisa dar para o torto. Mas isso eram meras conjeturas – pelo menos por enquanto. O International Superstar Soccer continuava em forma, pese embora o valente concorrente que nascera em Tóquio. A questão fundamental era a de entender como, e particularmente onde, é que o espetáculo que ia oferecendo o ISS poderia e deveria ser perpetuado em pleno declínio da Nintendo 64 e domínio da PlayStation. A KCEO teria adiante algum tempo para delinear a estratégia a adotar; limitou-se, entretanto, a dedicar à Nintendo 64 uma última iteração – que estava condenada a ser tão elogiável quanto as demais versões da franquia que haviam abraçado anteriormente o par de consolas da Nintendo composto pela SNES e por essa Nintendo 64. Sairia de(ssa) cena em grande; só é pena que essa não tenha sido a última imagem que nos deixou nos relvados da Nintendo, uma vez que a eles regressaria, após um interregno de um par de anos, já irreconhecível – e prestes a conhecer a sua inglória extinção. Mais tarde ainda, voltaria – mas já enquanto Pro Evolution Soccer.

Antes mesmo de versarmos sobre o conteúdo deste jogo, notemos o extraordinário facto, a que de resto já anteriormente fizemos referência, de a versão europeia do International Superstar Soccer 2000 ter sido lançada mais de um ano depois (!) da japonesa; esta última foi mais um spin-off que se dedicou à J-League. Considerando o quão ardentemente então fervia o futebol digital de inúmeros potenciais concorrentes, gozando até da portentosa chama de uma rivalidade também ela quentíssima, os dois anos que se passaram entre os lançamentos do ISS98 (a iteração anterior) e do ISS2000 poderiam perfeitamente mostrar-se fatais para a notoriedade da série – e, a médio-prazo, até para o seu estado de saúde. Não saberei dizer se a KCEO avaliou meticulosamente os riscos que então correu; quiçá tenha esta sido uma estratégia no sentido de se tirar o máximo partido das expectativas crescentes dos jogadores, esses que aguardavam ansiosamente pela subsequente versão do seu tão-amado ISS – que teria de responder à altura ao magnífico ISS Pro Evolution da autoria da KCET. É igualmente possível que tal tenha tido que ver com o Euro 2000, competição essa que, tendo sido disputada no verão desse mesmo ano, poderá ter convencido a produtora a adiar o lançamento deste título de modo a atualizar os plantéis das seleções que nesse Europeu participaram. Diga-se, porém, que se esse atraso foi realmente intencional, tal estratégia não resultou. E esse equívoco foi mesmo a gota de água num copo que, ao tombar, transformaria o futebol digital por inteiro e definitivamente. Quanto tanta coisa está em jogo, há erros que se não podem cometer. Do ISS2000 em diante, a série não mais se reergueria: desperdiçaria o título de insuperável candidata à conquista dos relvados virtuais; conheceria um declínio contínuo e profundo; e acabaria por sofrer, não muito tempo depois do virar do milénio, uma morte prematura. Os anos 2000 não se revelariam propriamente simpáticos ante a KCEO – nem diante do seu ISS; por outro lado, marcariam a passagem de testemunho do International Superstar Soccer para o seu irmão mais novo, o Pro Evolution Soccer.

Passemos ao lado do facto de o autor deste livro ter acabado de cometer, usando de terminologia moderna, um enorme spoiler, pondo a descoberto o destino da série International Superstar Soccer; voltemos, então, atrás no tempo, lembrando-nos que tal informação nos era, na altura, completamente desconhecida: finjamos portanto que estamos a jogar o ISS2000 pela primeira vez…infelizmente, já em finais do ano de 2000. A intro do mesmo anuncia a chegada de uma “nova era” do futebol, era essa que se estrearia no novo milénio: ironicamente, foi o jogo que predisse tal “nova era do futebol”, que supostamente seria concretizada, evidentemente, pela própria série ISS, a firmar-se como o princípio do fim…da mesma série – esta fenomenal ironia salienta a ideia de que realmente o universo tem um sentido de humor admirável. “Quem voará mais alto do que os demais?”, pergunta-se ainda nessa intro – hoje sabemos a resposta (e que não foi de todo o ISS). “Quais serão os nomes que resistirão à passagem do tempo?”: o presente livro é prova que o do ISS resistiu – mas também neste plano o rival Pro Evolution Soccer adiante o superaria. “Vai nascer uma nova era do futebol”: sem dúvida – estava prestes a nascer a era do…Pro Evolution Soccer. Esta passagem de testemunho que se adivinhava não foi propriamente obra do ISS – quando muito, terá partilhado essa responsabilidade -, pois o ISS2000 provou toda a sua competência; mas ser-se meramente “competente” em plena antecâmara do reinado do Pro Evolution já não bastava.

No que respeita ao conteúdo do jogo, o ISS2000 até era, curiosamente, mais competente do que o ISS Pro Evolution. Não obstante a já tradicional ausência de clubes – a série da KCEO introduzi-los-ia pela primeira vez já quando a franquia estava a dar as últimas (e somente os disponibilizou num certo modo de jogo – sendo até, tanto os clubes quanto os seus jogadores, fictícios) -, o ISS2000 contém umas notáveis cem seleções nacionais: quantidade (e variedade) esta que é especialmente apreciável, visto que o Mundial seguinte, o de 2002, ainda distava três anos desta iteração. De Andorra às Ilhas Faroé, da Coreia do Norte à Malásia e do Nepal às Ilhas Fiji e à Papua Nova Guiné, mostravam-se representados uma vasta pluralidade dos mais humildes conjuntos nacionais do planeta; esses até vinham munidos de jogadores reais, ainda que, bem ao estilo das duas séries futebolísticas que a Konami então alimentava, os nomes destes apareçam – e assumo orgulhosamente o título de inventor deste elegantíssimo termo – konamizados. Por konamizados quer dizer-se que os nomes com que aparecem no jogo foram, embora inspirados nos reais, adulterados o bastante pela produtora japonesa para que esta evitasse problemas – dos quais certamente terá escapado à justa – à conta das representações de atletas cujos direitos de imagem não possuía. Achou por bem a produtora nipónica que a representação, suponhamos, do Miguel Rodrigues, esse autor do presente livro, como Maiquel Rodrishw bastaria para se desviar das consequências do facto de me ter incluído no seu videojogo sem a minha autorização. Poder-se-ia dizer que estava plenamente no seu direito: afinal, eu claramente não me chamo Maiquel Rodrishw – embora a representação de um “Maiquel Rodrishw” munido de extraordinários dotes literários, músculos portentosos e um rosto de bradar aos céus seja, no mínimo, realmente suspeita. Mas assim, atrevidamente, contornaria mesmo a Konami esse problema, que se estendia para o reduto da reprodução também de clubes e competições. Experienciaria, todavia, alguns dissabores pelo meio: sendo um dos mais ilustres a batalha que opôs nipónicos à liga alemã na sequência da reprodução desautorizada dos japoneses desse campeonato no seu Pro Evolution Soccer 5. A konamização dessa German League, ou Liga Alemã, na qual reluzia o portentosíssimo Isar, ou Bayern de Munique, terá sido excessivamente ambiciosa, o que obrigaria a Konami a retirá-la do jogo logo nas versões seguintes; e não mais esse campeonato figuraria na série, nem sequer nesse formato konamizado.

Alguns dos jogadores que foram konamizados na versão europeia do ISS2000 gozam, pela primeira vez na história da série!, dos seus reais nomes na versão norte-americana – e nela apenas; o motivo que terá justificado tal incongruência é-nos imperscrutável. Particularmente impressionante é o facto de se ter incluído todas as seleções nacionais na altura pertencentes à UEFA; graças a tal feito, foi possível participar do modo “Taça Europeia”, que nos outorgava a missão de abraçar uma extensa jornada que ia da fase de qualificação europeia à fase final de um torneio que imitava o Europeu real. A Electronic Arts havia recentemente adquirido a licença do Campeonato da Europa, tendo-a aproveitado da melhor forma, dedicando um jogo inteiro exclusivamente ao Euro 2000, e iniciando assim uma relação com essa competição que duraria mais de uma década; mas esse UEFA Euro 2000 revelar-se-ia uma total desilusão (o nosso sempre útil Tom Bramwell chega ao ponto de ameaçar, no artigo que sobre este título escreve no site “Eurogamer”, “meter a viola no saco e abraçar um outro estilo de videojogo [que não o futebolístico]” caso nada se fizesse para “chamar à pedra” o que este jornalista chamava de “bugiganga regurgitada pela EA Sports”). Já o ISS2000, pondo de parte a sua gritante carência de licenças, provou ser uma alternativa bastante viável aos olhos dos jogadores que desejassem reproduzir tal competição no plano virtual. E neste âmbito a inglória e tradicional intempestividade da Konami mostrou-se perfeitamente evidente: o ISS2000 passou completamente ao lado de uma fenomenal oportunidade de se firmar como uma alternativa digna desse nome ao UEFA Euro 2000 da Electronic Arts – é que esse título da autoria da KCEO foi lançado quase três meses depois da final do Euro 2000 (!!!), o que fez com que esta vertente em particular do potencial que tinha o ISS2000 fosse, na prática, integralmente desperdiçada. Três meses após o fim dessa competição, naturalmente, a febre do Europeu, essa que sempre tão rapidamente aparece quanto desaparece, já havia passado, para somente quatro anos mais tarde regressar. O timing sempre é essencial. Acumulava a KCEO erros que, por muito discretos que possam ter sido, contribuíam para um declínio que se adivinhava.

A característica indisputavelmente dominante do ISS2000 foi estranhamente apenas oferecida pelas versões japonesa e europeia, quedando-se ausente na norte-americana. Atribuiu-se-lhe uma designação realmente conspícua, ainda que demasiado simplista: chamava-se “Career”, ou “Carreira”. Não tendo na altura experimentado esta iteração da série, nem sequer alguma vez ouvira falar deste modo de jogo; quedei-me, pois, muito surpreendido ao notar que esse “Career” é manifestamente idêntico a um modo de jogo que os dominantes jogos de futebol da década de 2000 somente quase dez anos mais tarde implementariam. Os que conhecem minimamente o “Be a Pro” do FIFA e o “Become a Legend”, ou “Rumo ao Estrelato”, do Pro Evolution, compreenderão seguramente o espírito desta experiência: este “Carreira” impele-nos a criar um jogador de futebol cuja missão é, à semelhança da de qualquer futebolista que se preze, superar a concorrência e tornar-se o melhor praticante da modalidade do planeta. Logo de início nos vemos obrigados a disputar uma espécie de encontro particular – algo que o Rumo ao Estrelato do Pro Evolution muito mais tarde copiaria. Mas o que nem o FIFA, nem o PES imitaram, ou sequer reproduziram, foi a real essência deste “Career”: achava-se aqui fundamentalmente uma aventura sustentada por uma narrativa – o que contrastava, por exemplo, com a abordagem exclusivamente virada para o futebol, e nada dramática, que seguiriam esses Be a Pro e Become a Legend; os jogadores tinham até de agradar às suas virtuais namoradas (ninguém alguma vez esperou ler, num videojogo de futebol, frases como Atração sentida pela Rachel aumenta!…). É que a prática da modalidade neste modo de jogo constitui uma raridade: orienta-se apenas a evolução do nosso futebolista digital, ocasionalmente participando em exercícios nos treinos, e sobretudo tentando não irritar a Senhora Goldbarg (esperar-se-ia uma Senhora Goldberg, mas também ela terá sido konamizada…), essa espécie de “governanta” (terá a Konami julgado que os clubes de futebol são geridos como as fraternities das universidades norte-americanas…?); o futebol, esse, nunca deixa de ser um fenómeno contextual: passamos mais tempo a ler a história que as personagens vão redigindo do que a dar toques na redondinha. A este “Career” atribui-se o real feito de ter, pela primeira vez na história, oferecido à presente franquia…clubes!, que de resto apenas neste modo de jogo se manifestavam – e sob os fortes constrangimentos inerentes ao tal espírito teatral da experiência. Podemos, além de criar um jogador virtual, formar toda uma equipa; e também nesse plano o ISS2000 demonstraria toda a sua profundidade, deixando à consideração dos jogadores a escolha do país no qual desejavam competir: de Portugal à China, a variedade é admirável. Essa escolha, todavia, não deixa de ser, no que respeita à narrativa, inconsequente: influencia meramente os nomes das personagens (por exemplo, a versão portuguesa da tal Senhora Goldbarg intitula-se “Senhora Coelho”), bem como, evidentemente, o campeonato em que participamos. Devo dizer que fiquei um tanto ou quanto aturdido ao assistir à prestável série de vídeos que produziu o YouTuber @Wiihawk[2],  esse que se propôs a jogar este modo de jogo até ao fim: na língua alemã então se explorou detalhadamente este quase totalmente desconhecido “Career”. Notei que um dos centrais do Munchen, ou Munique (presumivelmente o Bayern), se chama Himmler; no Dortmund encontramos um igualmente temível defesa-central de seu nome Rommel – bem como um outro Himmler, sendo que este era guarda-redes (como se um só Himmler já não bastasse!…); no onze inicial do Hamburgo achamos mais um Himmler…ora, torna-se óbvio que estas personagens se repetem bastante – ou demasiado – frequentemente. Curiosamente, detetam-se alguns nomes ilustres da história da série, não International Superstar Soccer, mas sim Pro Evolution Soccer, como sendo Kruger (esse que é um lendário fenómeno – fictício – da Master League dos tempos da PlayStation 2) e Castello (que mais tarde apareceria nos defaults da Master League – e se notabilizaria enquanto Castolo); e ainda, para espanto dos fãs mais atentos, escritores famosos como A. Dumas e inventores como T. Edison. Se por um lado nos quedamos naturalmente impressionados ao desvendar neste modo de jogo tal admirável profundidade – que era contemporaneamente ímpar -, não deixa de ser em igual medida desapontante que nem o PES, nem o FIFA tenham sido capazes, nas suas imitações (ou reproduções) desta espécie tão singular de aventura digital, de desenvolver de uma forma minimamente palpável este promissor tipo de “modo carreira”. O YouTuber @N64 Glenn Plant afirma, na sua análise do ISS2000[3], que este “Career” foi uma real “efeméride”, porquanto desapareceu da série nas iterações subsequentes. Teria, naturalmente, sido interessante acompanhar a sua evolução: perguntamo-nos como teria a KCEO melhorado este modo de jogo tão especial; contudo, e lamentavelmente, este projeto foi totalmente abandonado. Quase uma década depois, o Be a Pro do FIFA estrearia uma semelhante proposta, não obstante essa versão da autoria da Electronic Arts ter reorientado esta experiência quase exclusivamente para o que se passava dentro das quatro linhas, repudiando o dramatismo do “Career” em prol de uma abordagem virada para o futebolista enquanto profissional e não de todo como ser humano. O Pro Evolution Soccer 2009 inspirar-se-ia, um ano mais tarde, no Be a Pro – que se mostrara pela primeira vez no FIFA08 –, fornecendo uma interpretação desse tipo de proposta virtual que em tudo se assemelhava à do rival. Ao êxtase da novidade não vinha atrelada qualquer continuidade; e o brilho desses fenómenos foi assaz fugaz – quiçá demonstrando que o desenvolvimento deste tipo de aventura futebolística deveria ter seguido muito mais fielmente o exemplo, e, no fundo, o estilo desse “Career”.

A mais distinta das fraquezas de ISS2000 não seria, na realidade, tipicamente problemática; porém, tenha-se novamente em conta que esta iteração foi lançada precisamente numa altura em que já dominava o lendário ISS Pro Evolution, o que obrigava a que toda e qualquer fraqueza, por mais mínima que fosse, atingisse proporções cruciais. Foi, então, manifestamente decisivo para o futuro desta série o facto de a proposta digital do ISS2000 ter sido quase completamente indistinta da do seu antecessor, o ISS98 – com a agravante do tal par de anos que distaram estas duas propostas idênticas. Há, todavia, nos tempos que correm, quem creia, como referiu Pedro Fonseca na análise que publicou o site “N64 Brasil”[4], que os gráficos de ISS2000 eram muito mais realistas e que “as defesas e goleiros se tornaram muito mais inteligentes”, mas essas melhorias não nos parecem ser de todo evidentes: se realmente melhorias houve, elas seguramente terão sido meramente superficiais. Insisto, ainda assim, na ideia de que tal não seria, em condições normais, de todo problemático: o ISS98 fora um jogo de futebol absolutamente fenomenal – consequentemente, esperar-se-ia que o ISS2000, esse que era praticamente indistinguível do seu antecessor, fosse tido como sendo igualmente extraordinário. O real problema é que a evolução que manifestara o ISS Pro Evolution da KCET elevara de tal maneira a fasquia no universo do futebol virtual que este tipo arcade de representação da modalidade ainda ao estilo de um ISS Deluxe, não deixando de ser, como sempre, assaz interessante, começava, porém, a padecer, aos olhos dos jogadores modernos, de uma crescente obsolescência. Bastou-me perscrutar o YouTube[5] para logo me deparar com uma situação que descreve na perfeição esse estilo decadente: vislumbro uma instância em que o Brasil virtual marca um golo que talvez um ano antes teria até sido elogiado à conta das muitas e intensas disputas da posse de bola partilhadas por defesas e avançados; mas em plena Idade do ISS Pro Evolution eram já impensáveis – e, desse título em diante, eram-no em qualquer jogo de futebol que se preze: passar uma eternidade a deambular com a bola de um lado para o outro em plena área adversária, logrando até depois dessa real brincadeira fazer balançar as redes é, qualquer adepto da modalidade o sabe, uma blasfémia futebolística – é um crime lesa-realismo. Os tempos eram já outros: o tipo de abordagem dedicada fundamentalmente à vertente da diversão, essa que facilitara a incrível e épica jornada da série, estava a ser suplantada por uma obsessão imorredoira e constantemente crescente pelo realismo; tal obsessão mostrar-se-ia o fator mais determinante nas quatro linhas de consola durante quase duas décadas – e muitos até defendem que continua, ainda hoje, a ser o mais crucial. O blog brasileiro “Geração N64”[6] publicou em 2013 uma retrospetiva deste jogo que salienta esta perspetiva, declarando que se achavam no ISS2000 “poucas mudanças na jogabilidade e nos gráficos e também pouca melhoria na parte sonora”, antes de referir que “a Konami perdeu a oportunidade de mostrar algo mais no seu último jogo de futebol para o N64”. A carência de novidades no virtual relvado e a louvável tentativa de se emprestar, no exterior do mesmo, mais profundidade à plataforma em si são, diga-se, típicas do tipo de iteração que costuma aparecer a meio de uma geração de consolas – e que normalmente desbrava caminho para uma ou outra proposta final que serve de pináculo desse processo, antes de se fechar a loja e abraçar definitivamente a geração seguinte, iniciando-se uma nova fase – um novo capítulo. O ISS2000, tão descontextualizado como era, desbravou caminho, diria, para lado nenhum: foi ao sabor do vento deparar-se com um ISS Pro Evolution que, esse sim, sabia perfeitamente a missão que procurava cumprir. O ISS da KCEO, esse, dava a entender que preferia depender de um passado já distante – num contexto moderno que esse rival interno havia transformado completamente. Daí em diante, e à medida que o tempo passava, mais alheado da realidade se quedava o International Superstar Soccer, não se mostrando capaz de acompanhar o progresso do próprio futebol digital, esse que então passava por uma revolução cujas consequências se revelariam cruciais e até determinariam o futuro a longo-prazo das quatro linhas de consola. E desse futuro, mandou a indolência da KCEO, não faria parte o ISS, esse resquício doutros tempos perdido no tempo.

O legado do ISS2000 é tão curioso quanto o papel que desempenhou na história da série. O mais ilustre vídeo do YouTube que versou sobre esta iteração[7] e nos revela uma abundância de grandes golos impeliriam o utilizador “matthewkoz” a afirmar que “sou, pessoalmente, da opinião que a maioria desses golos não só estão lá dentro, mas também são golaços” – referindo-se assim ao facto de o comentador do próprio jogo gritar constantemente está lá dentro (“it’s in!”) e oh, mas que golaço! (“Oh, what a super strike!”). O YouTuber @Surfer9x parece ter apreciado sobretudo o eletrizante tema que se ouve no menu principal desta iteração: exclama ele “¡Madre mía, que temazo, tío!” – qualquer coisa do género Nossa Senhora, mas que música do caraças, meu!. É até provável que seja o aspeto sonoro – excluindo-se os tenebrosos comentários do mesmo jogo – do ISS2000 que mais distintamente cintile aos olhos dos aficionados modernos. O YouTuber @Pander8874 tomou a liberdade de publicar a totalidade da sua banda sonora[8]; estes vídeos são, considerando a notoriedade do jogo em si, impressionantemente populares – e o belíssimo motivo que justifica tal curiosidade prende-se com o facto de a sua vertente musical ser efetivamente espetacular. A série FIFA foi, no princípio do novo milénio, e naturalmente, elogiada graças aos seus extraordinários dotes sonoros; mas os feitos que logrou a Konami neste plano, ainda que sejam provavelmente inferiores aos que alcançou a Electronic Arts, foram, todavia, severamente subvalorizados. Especialmente acarinhado pelos aficionados do ISS2000 foi o tema Okay Fellas[9] – cuja sonoridade sublimemente entusiasmante é comparável à do mítico I’d Throw My Sister At You (…adiante versaremos sobre ele…) do Pro Evolution Soccer 5; o utilizador “Theploap” afirma que o tema que achamos no modo “Career” (que parece tratar-se de um remix desse Okay Fellas) “seria um tema brutal se fosse lançado nos tempos correntes”; já “Rohan Bhatnagar” defende que o mesmo tema é “absolutamente megamoderno”. E eis que nos encontramos a discutir avidamente o mérito do estilo drum n’bass no âmbito de um videojogo de futebol, o que tem muito que se lhe diga: o ISS2000 realmente passou ao lado do progresso do futebol virtual, cerrando-se no seu confortável, mas ultrapassado reduto, ignorando a evolução que no “mundo lá fora” ia sucedendo, dando então início a uma tendência que a série da KCEO não mais abandonaria; foi esta, afinal, a iteração que marcou o fim do período de domínio exercido pela série ISS e que assistiu à ascensão definitiva da série da KCET para a PlayStation: impor-se-ia assim um líder das quatro linhas digitais que nos vinte e cinco anos seguintes sempre disputaria o título de campeão até ao fim do campeonato. O International Superstar Soccer, esse, mostrando-se cada vez mais refém da nostalgia dos seus áureos tempos, em breve passaria à história.

***


[1] Uma das mais curiosas propostas futebolísticas virtuais de então encontrá-la-emos no Mia Hamm Soccer 64: uma adaptação apressada (cuja produção durou apenas…doze semanas!) do Michael Owen’s WLS 2000 para a Nintendo 64, adaptação essa que pretendeu tirar partido da recente conquista do Mundial de futebol feminino por parte da seleção dos Estados Unidos. Conquanto não tenha sido propriamente apreciada pelo público (o site “IGN” atribuiu-lhe uma nota abaixo de 5…em 10 possíveis), foi este o primeiro jogo de futebol da história a representar o futebol feminino – que somente quinze anos mais tarde regressaria, pela mão da série FIFA, aos virtuais palcos.

[2] https://www.youtube.com/watch?v=D_9zlyDRQDg&list=PLDhDNwLDd8k4fUzGFPl1J2v0IGBJ_3IKo&index=7

[3] https://www.youtube.com/watch?v=zUp281cPxkU

[4] https://www.n64brasil.com.br/2014/05/international-superstar-soccer-2000.html

[5] https://www.youtube.com/watch?v=Gl2XGIJrjP4

[6] https://geracaon64.blogspot.com/2013/02/analise-international-superstar-soccer.html

[7] https://www.youtube.com/watch?v=0TcWRsIz8jI

[8] https://www.youtube.com/playlist?list=PL4C039C8656A1DC5F

[9] https://www.youtube.com/watch?v=XzfwYuYhXmA&list=PL4C039C8656A1DC5F&index=3


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